Colaboradores

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A garota que voltava de branco

 
Era final de tarde. Já anoitecia lá fora.
 
Caminhando em passos leves e curtos, com a vontade de fazer durar o caminho, vinha uma garota; menina por fora, mas já mulher por dentro. Carregava algo pequeno, quase imperceptível ao olhar no escurecer do dia, ainda mais sendo abraçado e apertado num colo intenso.
 
Ela o encontrou ainda nesse mesmo dia, esquecido em meio à sujeira, envolvido em flores, plantas e folhas já secas, numa praça abandonada. Pisou  nele, mas não o sentiu. Carregou-o na sola dos pés por alguns minutos, mas logo percebeu um incômodo ao caminhar. O pegou nas mãos, apreciou e se chocou consigo mesma, com seu esquecimento tolo, mas longínquo.  
 
Num lugar aonde ninguém mais ia, com folhas secas e de assustador desconhecido. Essa praça havia sido abandonada há muitos anos, não tinha mais quem a regasse com água e carinho, nem mesmo quem passeasse por sua pele. Um abandono que deixara marcas.
 
Ela seguia lentamente pelo caminho de volta, com o pequeno embrulho e um sorriso interno. Nas mãos carregava a alegria de saber de si, já que agora não importava mais que ninguém soubesse.  
 
Há muito tempo ela havia construído uma praça na qual seus sentimentos, emoções e atitudes floresciam. Porém com tantos tumultos cotidianos, embates e desgastes ela se esquecia de regar, de apreciar, de compreender.
 
Ao caminhar em si mesma sem calçados, num momento súbito quando precisou se esconder em sua praça, pisou em um galho já envergado e diminuído com o passar do tempo. Na fuga seus pés afundavam na pele, passos tão profundos que alcançaram o galho. Nele a garota reconheceu o descaso com sua morada. Visualizou a sujeira que havia acumulado e a dificuldade de enxergar o que ali pudesse haver.
 
A garota menina percebera que ela era o galho e que ele era ela. Para muitas pessoas esse embrulho nada significaria, pareceria apenas algo bobo e talvez o fosse. Mas para ela era a simplicidade do feliz encontro com quem mais nos desencontramos. Quando tudo se desfaz, quando tudo desmorona, e ficamos apenas nós e o silêncio é que os galhos voltam a serem percebidos. E então precisamos retomar nossa praça e voltar para casa. 
 
E a garota também percebera que se ela era o galho, também era as flores, as folhas, as plantas, a praça e tudo o que existe... Ela voltava de branco, com todas as cores em seu rosto, em suas vestes, em suas palavras e, principalmente, em seu coração.
 
Era final de tarde. Já anoitecia lá fora. Mas dentro da garota mulher renascia o dia.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Reescreve na pele: Para cantar e voar um dia

Nasci com a grande magia de ter duas asas
Prontas para me fazerem voar
Ir com o vento
Sobrevoar pequenezas humanas e da natureza

Mas o ser humano, talvez intimidado com este encanto
Ou por sua ignorância, por sua faixa nos olhos e no coração
Fecha-me em grades, sou preso na condição de pássaro
Sem a liberdade que me é essência

Assim minhas asas não batem
Assim não vou com o vento
Sobrevoo apenas em sonho
Em pensamento

Meus gritos são confundidos por canto
Pelos ouvidos acostumados com a prisão
Minhas asas fechadas e seladas com uma pintura
Pelos olhares acostumados com a ilusão

Nasci com o grande crime de não ser um humano
Com asas, com canto
Porém sem forças para arrancar
Grades ou desumanidades

Meu olhar pede outros olhos
Meu choro implora por outros ouvidos
Para que um dia eu cante e voe
Realizando a simples beleza de viver o que sou