Colaboradores

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Nada era

Ela voltava pra casa. A cabeça encostada na janela do ônibus. Uma gota por fora refletia. Seu rosto e seus pensamentos. Parecia que não tinha passado. Tentava se lembrar. Quem era. De onde vinha. Para onde ia. Só via traços. Que contornavam a sobrancelha pouco definida. O olhar pouco definido. As poucas marcas no rosto. Apenas alguns pontos escurecidos. Outros levemente marcados. Uma boca a mais do que se pensava que tinha. Um boca grande, cheia de dentes e de vontades. Mas para onde ia mesmo? A boca e a vontade. Não, para onde ia o ônibus. Para que destino. Para que caminho a levava. Para onde ela ia. Num corpo aparentemente jovem. Numa mente aparentemente tranquila. Para onde ia. Por mais que tentava. Não conseguia se lembrar. Teria passado. Ou apenas um futuro. Naquele instante em que se olhava. No reflexo da gota. Parecia não existir. Parecia ter apenas um futuro. Sonhos. Planos. E mais sonhos de ser. O toque frio do vidro em sua testa. Em seu nariz que encosta. Em sua boca que toca. Que tenta tocar a gota que está do outro lado. Vidro. Não é sede. É vontade de sentir o gosto. De saber quem é. De onde veio. E para onde vai. Mas é só um rosto. Encostado num vidro gelado. Refletido numa gota viva. Que ao escorregar a leva. Até que ambas se desmancham. E fica apenas o rastro do que não era.