Num tempo presente, há uma menina
feita e refeita de retalhos, costurados a cada descortinar dos
entendimentos que lhes foram enfiados na garganta. E assim, tudo
o que seu corpo comia, os pensamentos também ingeriam e a pele se
fazia de mentiras.
Ela espiava um buraco, por ele
enxergava coisas que não queria ver.
Eram ideias que as rasgavam inteira. Tudo que ela era em um instante
não era mais. Tudo que acreditava acreditar se desprendia da pele.
Todos os dias, ia pelo mesmo caminho.
Passava por pedras, encruzilhadas e armadilhas. Uma trajetória
carregada de angústias, escuridão e dor.
Mas esse caminho não era apenas dela,
envolvia a tudo e a todos que conhecia.
O colo de seu melhor amigo, que foi um
cachorro fiel.
O cachorro quente compartilhado com os
melhores amigos.
A morte e a vida se mostravam em
apenas uma tarde. E o buraco que espiava crescia
sem precedentes, nem controle. Ao
associar o cachorro amigo com o cachorro quente, tudo que parecia ter
sentido se dissolvia e embriagava os pensamentos.
Quando tinha coragem de espiar
novamente, não era apenas essas duas palavras (amigo/quente) que se
embaralhavam.
No caminho de encruzilhadas e
armadilhas, via a vida presa e morta por pessoas vivas. E assim,
aquele desenho lindo da infância que era preenchido por animais
felizes, todos que aprendera na escolinha. Vaquinhas, cavalinhos,
galinhas, pintinhos, passarinhos, peixinhos. Toda a fofura diminutiva
se voltava contra ela mesma. O desenho colorido se fez de uma única
cor, a da escravidão.
E toda a alegria e leveza da alma, a
acusavam de ser a responsável por essa única cor nos desenhos
vivos, os que aconteciam por trás daquele buraco.
Ela não estava sozinha, muitos vinham
com ela desfrutar da sensação de prazer do cachorro quente.
Sensação de prazer que de súbito se fazia sensação de
angústia.
Foi assim que o líquido branco tão
querido pela família lhe parecia sangue e não mais leite. Foi assim
que a fartura do queijo escorrendo no lanche deixou de ser alegria e
passou a ser ofensa. Foi assim que o bife, o filé de frango, o
cação, os ovos, dentre outros, deixaram de ser alimento e
tornaram-se desrespeito.
A menina feita e refeita de retalhos,
agora descortinados e doloridos lhe apontavam um novo caminho. E ela
buscará apenas vida e não mais assassinatos.
O buraco em sua visão expandia-se
tanto que agora ele era o olhar todo. Um olhar que busca respeito e vida!
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